Os meios da tecnologia já fazem possível que não estejamos presentes nos espaços para pertencermos a eles. O trabalho remoto, videoconferências, realidade aumentada e realidade virtual já são possíveis, acessíveis e poderiam solucionar uma infinidade de problemas de deslocamento e aglomeração urbana, que são características da contemporaneidade. As "tribos" sociais estão replicadas e expandidas na web. A rede permite que os semelhantes se conectem desafiando as distâncias geográficas. Apesar da dissociação de espaço e pertencimento, as tendências indicam o contínuo crescimento da cidade como polos de centralização de oferta e desenvolvimento de serviços, produtores de inovação.

"... essas cidades agora funcionam em quatro novas formas: primeira, como pontos de comando altamente concentrados na organização da economia mundial; segunda, como localizações-chave para empresas financeiras e de serviços especializados [...]; terceira, como locais de produção, inclusive a produção de inovação nesses importantes setores; e quarta, como mercados para os produtos e as inovações produzidas"
- Sassen

A ocupação das cidades nasce da necessidade de trocas comerciais e de serviços; das facilidades que o agrupamento de pessoas com capacidades e bens distintos oferece através da troca.
A cidade pode ser considerada então, o locus da produção (onde se produz a mais valia). Sendo assim, a cidade é o mercado. Do ponto de vista do habitante deste espaço, a cidade se comporta como meio para consumo coletivo, para a reprodução da vida dos homens. Hoje essa cidade se transforma no centro de produção e consumo de inovação e serviços.

O desejo de viver próximo aos centros urbanos cresceu contraditoriamente ao aumento do acesso às tecnologias da informação. Nesse processo, junto a um crescimento exponencial da população mundial, os bens pessoais se tornaram uma ideia distante e pouco acessível, enquanto novas soluções para ordenar e ofertar serviços à população vêm se popularizando.

O espaço se constitui e se transforma com maior intensidade desde que o homem desenvolveu ferramentas para adaptá-lo às suas necessidades. Por isso, é fácil enxergar diversos fatores que são reflexos da organização social e comportamental do homem contemporâneo refletidos no espaço, e também fatores históricos que se mantêm presentes em símbolos culturais e sociais. Além desses fatores, existem também reflexos geográficos, ambientais e climáticos que forçam comportamentos específicos em prol da sobrevivência.

Uma das características do 'espaço habitado é, pois, a sua heterogeneidade, seja em termos da distribuição numérica entre continentes e países (e também dentro destes), seja em termos de sua evolução. Aliás, essas duas dimensões escondem e incluem outra: a enorme diversidade qualitativa sobre a superfície da terra, quanto a raças, culturas, credos, níveis de vida etc. - Milton Santos

Ainda assim , vivemos num momento de conexão de diversas culturas, facilidade de informação e expansão do acesso a bens de serviço e tecnologias, dispositivos que permitem subverter todos que nos definem e definem o espaço em que vivemos. Vivemos num momento onde o espaço pode se transformar e se readequar para além da realidade local, mas também com base em tendências globais e a partir de inovação em processos de constituição do lugar.

O fenômeno humano é dinâmico e uma das formas de revelação desse dinamismo está, exatamente, na transformação qualitativa e quantitativa do espaço habitado. - Milton Santos

Um dos processos que chama a atenção é uma tendência global de surgimento de iniciativas ofertando a vivência em residências coletivas, além de diversas ferramentas de organização para a união de pessoas com interesse em viver nessas casas coletivas.

Ligados à preferência por compartilhar espaços, estão benefícios como a divisão de custos, acesso a serviços e espaços especializados. Mas também, existe uma tendência do desejo mútuo de conexão e criação de comunidades autônomas e intencionais. Autônomas porque criam mecanismos próprios de gestão e organização do espaço, como regras e costumes próprios e de comum acordo entre os moradores. Intencionais, pois a iniciativa de adotar esse modelo deve ser mútuo e espontâneo dos que desejam viver dessa maneira, e assim, ser baseada no desejo de compartilhar e da experiência comunitária em si.

Nesse processo, novo e experimental, surgem diversos desafios a aqueles que decidem viver dessa maneira. Como resposta, a iniciativa privada prepara empreendimentos imobiliários e serviços de residência coletiva, com valores inflacionados, porém com o diferencial da terceirização da organização do espaço e demais responsabilidades conectadas à gestão de uma residência.

Referências:

SANTOS, Milton. Metamorfose do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 1994.

WANDERLEY, Luiz Eduardo W.. São Paulo no contexto da globalização. Lua Nova, São Paulo , n. 69, p. 173-203, 2006 . Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452006000400008&lng=en&nrm=iso. access on 16 Nov. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64452006000400008.